Falar sobre neurodivergência é falar sobre diferentes formas de sentir, comunicar, perceber o mundo e construir relações. Dentro desse contexto, um dos pilares mais importantes — e ainda pouco compreendidos — é a escuta ativa. Quando esse caminho nos foi apresentado, foi difícil entender como colocar em prática no nosso dia a dia. Mas fomos aprendendo e desenvolvendo essa habilidade, passo a passo. Escutar o nosso filho nos permitiu compreender suas verdadeiras necessidades e tirar o peso da “expectativa idealizada”.
A escuta ativa vai muito além de ouvir palavras. O Filipe nos ensinou que ouvir é perceber o mundo pelo olhar dele. É apoiar sem pressionar. É acolher sem tentar consertar. É construir confiança.
Quando a família pratica a escuta ativa, ela não cria apenas comunicação — cria pertencimento. Hoje, quando busco o Filipe no colégio, ouço ele contar como foram suas experiências, o que o deixou alegre, o que o frustrou, com quem brincou. Isso também acontece nos nossos momentos à mesa — na comunhão da refeição que fazemos juntos. Ali, damos voz e espaço para que ele fale e demonstre as emoções do dia. E, ao escutar, aprendemos muito com ele e nos aproximamos ainda mais das suas vivências.
Sabemos que ele, assim como muitas pessoas atípicas, enfrenta desafios diários na comunicação: dificuldade em expressar emoções, velocidade de processamento diferente, hipersensibilidades sensoriais, mutismo seletivo, necessidade de previsibilidade, dificuldade com pistas sociais, entre outros.
Quando quem convive com essas pessoas não pratica a escuta ativa, surgem ruídos de comunicação, conflitos e frustrações.
Ouvir bem é um ato de inclusão.
E a nossa família decidiu seguir neste caminho. Entendemos que escutar o Filipe, deixá-lo expressar suas emoções. é algo muito poderoso para nós, que nos direciona. Criamos um vínculo forte de afeto e pertencimento que ele leva para as sessões de terapia de forma positiva.
A escuta ativa exige intenção — e prática. Aqui compartilho alguns pilares do que aprendemos:
1. Acolher o tempo de resposta
Nem todo mundo responde no mesmo ritmo. Para algumas pessoas neurodivergentes, processar perguntas antes de responder faz parte da comunicação. Pausa não é desinteresse — é respeito ao tempo do outro.
2. Observar além da fala
A comunicação pode ser verbal ou não verbal: olhares, movimentos repetitivos, gestos, postura corporal.
Para um autista, por exemplo, balançar as mãos pode ser sinal de ansiedade. Para alguém com TDAH, o olhar distante pode significar esforço para manter o foco.
Escutar também é interpretar sinais.
3. Evitar julgamentos e interrupções
Frases como “isso é exagero”, “você está sendo difícil” ou “não é bem assim” invalidam a experiência da pessoa e rompem laços.
A escuta ativa não julga — acolhe.
4. Fazer perguntas abertas e claras
Perguntas simples ajudam:
• “Como posso te ajudar agora?”
• “Isso está confortável para você?”
• “Prefere falar ou escrever?”
5. Validar sentimentos
Validar é reconhecer:
• “Eu entendo que isso foi difícil.”
• “Sei que foi cansativo para você.”
• “Faz sentido o que você está sentindo.”
A validação diminui resistência, abre espaço para diálogo e acalma.
6. Adaptar o ambiente e a forma de comunicação
A escuta ativa também é prática:
• Reduzir estímulos visuais e sonoros
• Oferecer alternativas: texto, áudio, desenho
Quando a família aprende a escutar com presença, tudo ganha uma nova dinâmica:
• A criança se sente vista
• A comunicação se torna mais leve
• A casa fica mais previsível
• O vínculo se fortalece
• As crises diminuem em intensidade e frequência
Escutar com amor transforma.
Escutar com atenção conecta.
Escutar com respeito constrói pontes que duram para sempre.