20/06 | 2 anos de Coletivamente

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Felizmente, após tantos meses nos quais voltamos às nossas casas, junto aos nossos filhos, atendendo à demanda de uma maternidade ou paternidade atípicas e mergulhadas em nossas dores, desafios, com medo de um vírus nos tirar entes queridos, estamos vencendo a pandemia. Muitas vezes, durante esse período tão desafiador, esquecemos de nos atentar para o mundo lá fora e a quantidade absurda de famílias com seus filhos atípicos em vulnerabilidade social e econômica, necessitando de múltiplas ajudas, desde a moradia, o alimento até a internet e suas terapias.

Pensando no âmbito familiar e na nossa casa, eu poderia escrever sobre muitas das minhas experiências positivas e negativas ocorridas, junto aos meus filhos. Afinal, neste período, nós tivemos alguns ganhos, mas as perdas financeiras e terapêuticas foram muito maiores, com exceção da escola, pois nosso ambiente doméstico é mais estruturado e controlado de estímulos, favorecendo a aprendizagem, mediada por mim e os professores. Porém, vou aproveitar este espaço para chamar a atenção de vocês para outras questões, que durante o isolamento social fez bastante sentido, olharmos e refletirmos para além dos nossos lares atípicos, a saber:

  1. Será que houve aumento do abuso e violência sexual de nossas crianças, adolescentes e adultos com TEA e DI?
  2. Será que houve um aumento do suicídio e da depressão nessa população?
  3. Será que houve suporte da saúde pública ou foram desenvolvidas estratégias para considerar o atendimento de casos mais graves? (Aqui não me refiro a níveis do espectro, pois essa gravidade tem muitas variantes).
  4. Se há variantes na gravidade do espectro, que tipo de tratamento (refiro-me também a qualidade) ou acompanhamento esse indivíduo teve acesso neste período?
  5. Será que, por exemplo, as famílias em grandes vulnerabilidades (social e econômica) tiveram as mesmas oportunidades de teleatendimento que muitos de nós, leitores? Lembre-se que famílias em vulnerabilidade social e econômica não têm moradia digna, alimentação saudável, oportunidades de treinamentos ou cursos preparatórios de pais e cuidadores que lhes garantam manejar ou compreender um comportamento durante uma crise de ansiedade ou depressão ou agressividade.

    Grande distanciamento

Quando essas famílias vivem em situação de vulnerabilidades, eu observo um grande distanciamento entre o que lhes cabe como direitos e a efetivação desses direitos. Elas sofrem com a fome, com abusos, com violência de seus corpos e psíquicas. É a tal desigualdade, ou exclusão social, ou mesmo invisibilidade cidadã, base para todo tipo de preconceito e/ou discriminação. Por isso, eu lhes faço um convite para pensarmos ‘fora do nosso lar’ e analisarmos partes de nossa sociedade que, como nós, precisam de muito apoio também para sobreviver em todos os aspectos básicos. Isso, segundo Abraham Maslow, seriam as fisiológicas: respiração, comida, água, sexo, sono, homeostase e excreção; mas que tem um diferencial: são famílias em vulnerabilidade social e econômica graves, com membros autistas.

O desafio dessas famílias, basicamente, é manter cada membro vivo. Mas sua condição financeira e de moradia é extremamente precária. E, por exemplo, o teleatendimento por vídeochamada exige, em princípio, acesso à internet de qualidade; participação da família; e aceitação e controle por parte do autista. Neste momento pandêmico, onde está o apoio e assistência por parte do poder público? As visitas in loco devem ser realizadas pela rede de apoio de saúde e assistência pública, devem funcionar ainda que minimamente.

Meses se passaram e muito tardiamente foi planejado um teleatendimento a essas famílias e seus membros autistas, no Estado de São Paulo, de forma generalizada, já que todos precisam de um suporte. Só que, ao mencionarem os “suportes”, quando pensamos em famílias em vulnerabilidade social e econômica com membros autistas, não cabe generalizações, muito menos romantizações. Reconhece-se que o cenário ainda é muito ruim no Brasil para o TEA (transtorno do espectro autista), apesar do adiantamento das leis.

Mesma perspectiva?

Com dois filhos com deficiências, em casa, e com certa possibilidade de mantê-los em algumas de suas rotinas, observei alguns ganhos na comunicação, aprendizagem, qualidade em suas autonomias, mas também perdas significativas sociais, aumento de crises de ansiedade com auto e hetero agressividade. Tanto tempo em casa, para uma mãe minimamente atenta, seria impossível não identificar alterações positivas ou negativas. E por isso, minha preocupação, contestatória, com as famílias em vulnerabilidades com membros autistas. Será que tem a mesma perspectiva?

Eu creio que o pensamento crítico nos coloca um passo à frente. Ou seja, mesmo depois de muito tempo de distanciamento social nós precisamos sair de nossos lares, um pouco mais adequados e protegidos; largar nossos “umbigos” egoístas e discriminatórios, para nos comprometermos com uma parte da sociedade em vulnerabilidade quase que total e que, de uma maneira dura, segue tentando (ou dar continuidade a) tratamentos aos seus membros com TEA. Esta sociedade precisa de apoio, coragem, conhecimento e reconhecimento, para que tenham as mesmas oportunidades que, um dia, você, eu, o seu ou o meu filho tiveram!

Ana Paula Chacur, Gestora da Chacur & Chacur Educação e Diversidade, mãe de 02 crianças atípicas, estudiosa do tema e comorbidades, com ênfase na vulnerabilidade social. Técnica em edificações, designer e paisagista, graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade São Judas Tadeu – Santos/SP

Colaboração
Profa. Me. Claudia M.Nunes, Mestre em Educação (Novas Tecnologias) pela UNIRIO. Especialista em Neurociência Pedagógica, graduada em letras. Docente dos cursos de pós graduação da AVM/UCAM e na Empresa Child Behavior Institute – CBI of MIAM. Professora Estadual do RJ no Ensino Médio.

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