De junho de 2021 a junho de 2024, o número de diagnósticos de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) chamou a atenção da equipe do Núcleo Especializado em Aprendizagem da Faculdade de Medicina do ABC (NEA-FMABC), referência na área. De 382 casos avaliados, 182 pacientes tiveram o transtorno confirmado – ou cerca de 48%.
“Não dá para saber se a gente tem maior incidência de TDAH porque os critérios médicos estão mais definidos para o diagnóstico ou porque também houve um avanço em relação ao conhecimento da população a respeito. Talvez os fatores se somem, mas o que temos certeza é de que essa tendência de aumento no Grande ABC deve continuar, e a região precisa olhar para isto urgentemente”, diz o neuropediatra Rubens Wajnszteje, que atua há 40 anos na faculdade.
“Santo André, São Bernardo e São Caetano têm convênio com a FMABC, mas todas as outras cidades requerem contratos esporádicos e não contam com uma equipe especializada para estes casos. Isto é preocupante, ainda mais quando a gente pensa neste levante de volume de diagnósticos que já começou a acontecer”, continua.
O serviço gratuito na FMABC atualmente tem fila de espera estimada em quatro meses para novos pacientes devido à alta demanda de encaminhamentos feitos pelas sete cidades da região pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e também de interessados de todo o Estado e até mesmo do restante do País. Por isso, há uma restrição de idade para o atendimento.
“Precisamos delimitar o atendimento para crianças de 6 a 15 anos, até porque observamos que os pais ou responsáveis passaram a se identificar com alguns sintomas e em uma frequência absurda. Assim, acontece o direcionamento para outros núcleos para dar conta de tudo”, esclarece Alessandra Caturani, neuropsicóloga e coordenadora do NEA-FMABC.
Diagnóstico
O TDAH é um transtorno neurobiológico muito comum que afeta crianças, adolescentes e adultos, sendo caracterizado por padrões persistentes de desatenção, hiperatividade e impulsividade que interferem no funcionamento diário do indivíduo e no desenvolvimento pessoal, impactando a vida como um todo.
Especificamente no NEA-FMABC, o diagnóstico é sempre interdisciplinar e só é fechado após 15 consultas realizadas por médicos, psicólogos, psicopedagogos e fonoaudiólogos, em uma leva de cinco ou seis pacientes por quinzena – que também passam por exames externos de oftalmologia, audiometria e de rendimento escolar. “Conscientizar é o caminho mais certeiro para uma sociedade inclusiva e para um diagnóstico assertivo no sentido de propor qualidade de vida ao indivíduo com TDAH”, explica Alessandra.
Segundo dados do Ministério da Saúde, no Brasil, até 2022, a prevalência de TDAH na população era estimada em 7,6% em crianças e adolescentes com idade entre 6 e 17 anos, 5,2% nos indivíduos entre 18 e 44 anos e 6,1% nos indivíduos maiores de 44 anos. Cerca de 5% a 8% da população mundial apresenta o transtorno.
Cristo Redentor
O Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, recebeu no dia 13 de julho uma iluminação especial na cor laranja para celebrar o Dia Mundial do TDAH. A iniciativa foi promovida pelo Movimento Dislexia TDAH do Grande ABCD para ampliar a conscientização sobre o tema. Alessandra Caturani, uma das idealizadoras, explica que a cor laranja faz alusão ao TDAH por simbolizar criatividade e energia.
“Nosso objetivo é tirar o mito de que o diagnóstico se torna um rótulo ou marca no paciente. Após a confirmação do transtorno, essa pessoa e suas necessidades precisam de acolhimento e direcionamento”, afirma.
Sonho de criança
O sonho de ser astronauta quando crescer de Bruno Erich, 7 anos, depende do tratamento no NEA-FMABC. A habilidade matemática ainda é um passo a alcançar diante do déficit de atenção e hiperatividade. “Jogar Minecraft é uma das coisas que mais gosto, mas eu me esforço bastante aqui. Minha mãe fala que eu nasci em Santo André, mas posso ir para o Universo.”
Aos 8 anos, Thor Belotti veio de Cabreúva, Interior de São Paulo, para se tratar no núcleo. Ele ouviu pela primeira vez as letras TDAH na escola, quando outro amigo contou estar dentro do espectro. Para ele, que quer ser jogador de futebol ou cozinheiro no futuro, o acompanhamento interdisciplinar que confirmou e acompanha o pós-diagnóstico há cerca de um mês vai ser de grande ajuda. “Tem sido divertido. Acho que o que a gente aprende aqui já faz diferença na escola ou na minha casa”, diz.
O analista de logística Bruno Palomo, de 39 anos, afirma que para ele o TDAH era algo que só se via na televisão. Até que, junto com a esposa, Márcia Vieira, de 41, descobriu que a filha Eliza Fernandes, 11, tinha o transtorno – e ele, possivelmente, também. A andreense Márcia é quem acompanha a filha de três a quatro vezes por semana no espaço.
“Como professora há 14 anos, vi que algo estava diferente e só piorava com a Eliza. Só aos 9 anos buscamos um psicólogo. Me pergunto, quando o tema era pouco debatido, como os pais e as crianças podiam lidar com uma carga tão negativa de apelidos como ‘lerdo’, ‘burro’. Vimos de perto o perigo de laudos precipitados, com consultas rápidas ou sem relatórios psicológicos completos. Então foi um alívio, já tinha ouvido falar muito da FMABC nas escolas que passei e me espanta que algo tão referencial esteja justamente no Grande ABC, sem custo”, ressalta.
Quem trabalha no centro também sonha ir longe, como é o caso da estudante residente em neurologia infantil Keroline Cabral, de 28, da Capital. “Toda esta quantidade de crianças e como isto impacta as dinâmicas familiares, de diferentes classes econômicas, me chamou a atenção. E realmente o trabalho interdisciplinar daqui é diferente de toda uma dinâmica observada no Estado”, pontua.
FONTE: https://www.dgabc.com.br/Mobile/Noticia/4153953/tdah-e-diagnosticado-em-48-dos-avaliados-na-fmabc