Um estudo publicado na revista científica “Nature Genetics” identificou quatro subtipos de autismo, diferentes em sua biologia e nas manifestações comportamentais. O TEA (transtorno do espectro autista) é amplo e complexo, então aprofundar o conhecimento da genética e das características dele ajuda a planejar cuidados mais personalizados.
Pesquisadores analisaram dados de 5.392 crianças com autismo. Integrantes da Universidade de Princeton e da Fundação Simons coletaram dados do SPARK, um grande estudo sobre autismo. A avaliação contou com auxílio de inteligência artificial e modelos de computador.
Eles identificaram mais de 230 características de cada criança. Interações sociais, comportamentos repetitivos e marcos do desenvolvimento foram considerados. Com isso, a equipe chegou aos quatro subtipos de autismo.
Depois, analisaram a parte genética desses indivíduos. Com base em mais de uma década de pesquisa genômica do autismo, eles conseguiram associar as classes do TEA com diferentes tipos de alterações genéticas.
“Existem centenas de genes que podem ter relação com a fisiopatologia do autismo e pensava-se que cada gene teria uma fisiopatologia única. Hoje, talvez não seja pela influência individual de cada gene, mas pela influência conjunta de um grupo de genes que estão alterados”, diz Hélio Van Der Linden, neurologista infantil e membro da ABN (Academia Brasileira de Neurologia).
Atualmente, o autismo é classificado em três níveis de suporte, conforme as necessidades de cada pessoa. “O estudo não faz uma correlação direta, mas quando fala de um subtipo chamado de misto com atraso no desenvolvimento, a gente vai olhar para a criança e provavelmente vai entender que ela é um nível 3 de suporte”, diz a psicóloga Thalita Possmoser, diretora clínica da Genial Care.
Características diferentes
Pesquisadores definiram quatro subtipos. Eles têm características de desenvolvimento, comportamentais e psiquiátricas diferentes, além de padrões de variação genética. São eles:
1) Desafios sociais e comportamentais: é o maior grupo da pesquisa, representando 37% dos participantes. São pessoas com desafios sociais e comportamentos repetitivos, mas que geralmente atingem marcos de desenvolvimento (como falar e andar) em um ritmo semelhante ao de crianças sem autismo. Costumam apresentar outras condições ao mesmo tempo, como TDAH, ansiedade, depressão ou transtorno obsessivo-compulsivo.
2) TEA misto com atraso no desenvolvimento: elas atingem marcos do desenvolvimento mais tarde do que crianças sem autismo, mas geralmente não apresentam sinais de ansiedade e depressão. Representam cerca de 19% dos participantes e têm maior probabilidade de herdar dos pais variações genéticas raras.
3) Desafios moderados: é o segundo maior grupo (34% do estudo), com comportamentos relacionados ao autismo, mas em menor intensidade. Geralmente, atingem marcos de desenvolvimento em um ritmo semelhante ao de crianças sem autismo e não apresentam condições psiquiátricas.
4) Amplamente afetado: representa 10% dos participantes. Enfrentam desafios mais extremos e abrangentes, como atrasos no desenvolvimento, dificuldades sociais e de comunicação, comportamentos repetitivos e condições psiquiátricas ao mesmo tempo (ansiedade, depressão e desregulação do humor). Aqui, a maior parte das mutações genéticas não é herdada de nenhum dos pais.
Nossos diferentes genes controlam características físicas e o funcionamento do organismo. Alguns são ativados mais cedo, desde o útero até o primeiro ano de vida. Outros, mais tarde. O estudo mostrou que mutações em genes que se tornam ativos mais tarde na infância estão ligadas a um perfil mais brando de autismo. Em genes mais precoces, o quadro tende a ser mais severo.
“Quanto mais a gente conseguir definir as dificuldades, mais consegue individualizar o plano de intervenção, cada vez mais orientado para o que a pessoa precisa”, diz Possmoser.
Profissionais e famílias alinham expectativas. Às vezes, a criança não evolui como o imaginado com as intervenções aplicadas, o que pode ser frustrante. Se um teste genético indicar uma alteração que leva à maior severidade do autismo, a equipe entende o motivo e ajusta o que for preciso.
Pode contribuir para o desenvolvimento de terapias genéticas. A síndrome de Rett é uma forma muito severa de autismo que atinge mais meninas e é causada por mutação do gene MECP12. Atualmente, há pesquisas em torno de um tratamento que forneça genes saudáveis para compensar a alteração genética.
Entendimento daria previsibilidade. Seria possível mapear precocemente a trajetória do autismo e antecipar o diagnóstico por meio de teste genético nos grupos de risco, como familiares de pessoas com autismo e pessoas com algum fator de risco relacionado à prematuridade, segundo Van Der Linden. Mas eles são caros e, segundo os pesquisadores de Princeton, revelam variantes que explicam o autismo em apenas cerca de 20% dos pacientes.
A genética do autismo
A influência genética no autismo é muito forte, em torno de 90%. A condição é herdada dos pais em 80% dos casos. “Os pais, às vezes, acabam tendo um diagnóstico na vida adulta depois que o filho recebe o diagnóstico. [O estudo] facilita que a gente rastreie, provavelmente, de onde estão vindo as dificuldades”, diz Possmoser.
Há uma pequena parcela em que alterações nos genes ocorrem por acaso. Também contribuem fatores ambientais, mas em menor escala e mais relacionados à gravidez, desde a concepção do feto até hábitos da gestante. Infecções congênitas e prematuridade extrema podem estar ligadas ao autismo. “A gente está falando de substâncias tóxicas, como álcool, droga, cigarro e medicações. Existe um remédio chamado valproato, por exemplo, usado para epilepsia, que aumenta em sete vezes o risco de autismo na vida do concepto”, diz Van Der Linden, também membro do departamento científico de transtornos do neurodesenvolvimento da SBNI (Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil).
FONTE: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2025/09/29/estudo-identifica-subtipos-de-autismo.htm