20/06 | 2 anos de Coletivamente

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Cuidado com os diagnósticos

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O menino de 6 anos sentado à frente de Douglas Tynan, um psicólogo clínico infanto-juvenil, claramente não tinha transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Tynan, que atende em Delaware, nos Estados Unidos, tinha certeza disso. No entanto, a professora da primeira série do garoto discordava.

Ele podia ser desatento na aula, mas em casa seu comportamento não era fora do comum para uma criança da sua idade. O menino, um leitor voraz, disse ao psicólogo que gostava de levar seus próprios livros para a escola, porque os da sala de aula eram muito fáceis.

Para Tynan, o que a professora não havia considerado foi que a criança provavelmente era superdotada academicamente, como sua mãe havia sido na infância. Estudos mostram que crianças negras, como o menino de 6 anos, têm menos chances de serem identificadas para programas de superdotados.

Testes posteriores revelaram que o psicólogo estava correto. A criança não era desatenta na escola por causa do TDAH, mas porque estava entediada.

O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento que começa na infância e geralmente envolve desatenção, desorganização, hiperatividade e impulsividade que causam problemas em dois ou mais ambientes, como em casa e na escola.

Outros traços

Mas esses sintomas, tanto para crianças quanto para adultos, podem se sobrepor a uma infinidade de outros traços e transtornos. Na verdade, a dificuldade de concentração é um dos sintomas mais comuns listados no manual de diagnóstico da Associação Psiquiátrica Americana e está associada a 17 diagnósticos, de acordo com um estudo publicado em abril.

Os pacientes precisam de uma avaliação cuidadosa para evitar um diagnosticados incorreto de TDAH ou ter um diagnóstico de TDAH não identificado. Abaixo, estão alguns problemas comuns que podem imitar o TDAH.

Problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão ou transtorno desafiador de oposição podem se manifestar como sintomas semelhantes aos de TDAH.

Esses sintomas podem incluir falta de foco ou motivação, comportamento emocional descontrolado ou dificuldade em planejar e executar tarefas, segundo Max Wiznitzer, neurologista pediátrico e especialista em TDAH, do “Rainbow Babies and Children’s”, hospital em Cleveland.

Isso é verdade tanto para adultos quanto para crianças. Entre os pacientes de Wiznitzer, a ansiedade é geralmente confundida com TDAH.

“Uma pessoa com ansiedade pode se concentrar? Bem, não. A razão para a falta de foco não é a mesma que o TDAH, mas o resultado final é o mesmo”, explicou o neurologista.

Para complicar ainda mais as coisas, é comum que aqueles com TDAH também tenham um transtorno de comportamento ou de humor.

Uso de substâncias confunde

O uso intenso de substâncias pode resultar em falta de foco, assim como hiperatividade, entre outros problemas. De acordo com David W. Goodman, professor assistente de psiquiatria e ciências do comportamento na Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins, se alguém usar drogas há anos e depois reclamar com um médico sobre um declínio na capacidade cognitiva – como dificuldade em prestar atenção, reter informações ou lembrar de coisas – é crucial verificar há quanto tempo a pessoa apresenta esses sintomas.

Se os sintomas não estavam presentes antes dos 12 anos, ainda segundo o professor, o paciente não atenderia aos critérios diagnósticos para TDAH.

Um estudo de 2017 descobriu que cerca de 95% dos participantes, com 12 anos ou mais, que apresentaram sintomas semelhantes ao TDAH não tinham o transtorno, apesar de apresentarem resultado positivo nas listas de verificação de sintomas. Entre aqueles que tinham sintomas prejudiciais, a razão mais comum era o uso intenso de substâncias, seguido por transtornos como depressão e ansiedade.

Adultos precisam entre 7 e 9 horas de sono por noite. Adolescentes e crianças pequenas precisam de ainda mais. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, mais de um terço dos adultos nos EUA e cerca de 77% dos estudantes do ensino médio não estão dormindo o suficiente.

Estudos indicam que a privação de sono prejudica a capacidade de uma pessoa pensar e realizar certas tarefas, além de poder afetar negativamente o humor.

Um grande estudo descobriu que pessoas que normalmente dormiam entre 3 e 6 horas tiveram pior desempenho em testes cognitivos que mediam a capacidade do cérebro de reter informações e o tempo necessário para concluir uma tarefa. Esses déficits imitam sintomas comuns do TDAH, como lentidão mental, esquecimento ou o hábito de deixar tarefas inacabadas.

Bombardeio de mensagens

Quem possui um smartphone é continuamente bombardeado com mensagens, notificações e oportunidades de rolar a tela: pode parecer que nossa atenção está constantemente sendo desviada ou que nossa capacidade de focar diminuiu. No entanto, isso não significa que todos temos TDAH.

Para Goodman, se tirar as telas de uma pessoa neurotípica, ela pode se concentrar melhor. Por outro lado, alguém com TDAH ainda terá dificuldade de focar, mesmo quando as distrações externas são removidas.

Pesquisas sugerem que pessoas que se consideram grandes usuárias de tecnologia digital têm maior probabilidade de relatar sintomas de TDAH, mas nem todos os grandes usuários têm o transtorno.

Terapeutas e pesquisadores que se concentram no transtorno dizem que é importante fazer uma avaliação médica antes de um diagnóstico de TDAH, pois há uma grande variedade de doenças que podem criar sintomas semelhantes aos do transtorno, como desatenção, problemas de memória ou confusão mental. Essas condições, portanto, podem fazer com que as pessoas se sintam lentas, facilmente distraídas e esquecidas.

Alguns exemplos incluem lesão cerebral, condições crônicas, como fibromialgia ou POTS, diabetes, problemas cardíacos ou distúrbios endócrinos, como hipotireoidismo.

O estresse, tanto crônico quanto agudo, também pode imitar o TDAH, levando a dificuldades com planejamento, organização e autorregulação.

É preciso percorrer etapas

Um diagnóstico adequado de TDAH requer várias etapas: uma entrevista com o paciente, um histórico médico e de desenvolvimento, questionários de sintomas e, se possível, conversas com outras pessoas na vida do paciente, como um cônjuge ou professor.

Questionários sozinhos não são suficientes. Um estudo descobriu que, quando adultos preenchem uma escala de TDAH, muitas vezes são identificados como portadores do transtorno – mesmo quando não têm.

Margaret Sibley, professora de psiquiatria e ciências do comportamento na Escola de Medicina da Universidade de Washington, disse que pode ser mais difícil diagnosticar TDAH em adultos porque eles têm um histórico de vida mais longo, o que significa um maior número de fatores complicadores. Além disso, não há diretrizes clínicas nos EUA para diagnosticar e tratar pacientes após a infância.

Isso levou alguns pacientes a buscar um diagnóstico rápido online e uma receita. Outros, no entanto, tentam desvendar seus sintomas pesquisando o transtorno nas redes sociais.

“Há esse movimento em direção ao autodiagnóstico e questionamento sobre a necessidade de um diagnóstico médico. Mas precisa ter cuidado, porque se você se diagnosticar erroneamente, pode perder a solução correta para seus problemas”, alertou Sibley.

No final, obter uma avaliação abrangente é o melhor caminho. Para a professora, deve-se começar com um médico de cuidados primários e, posteriormente, procurar um profissional de saúde mental.

Tynan afirma que geralmente assume que um paciente não tem TDAH e, depois, tenta analisar todas as outras possíveis causas dos sintomas.

“Se eu vejo fortes evidências de ansiedade, depressão e TDAH, eu tenho que perguntar: o que está acontecendo aqui?”, conclui o psicólogo do menino de 6 anos.

FONTE: https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2024/07/26/impulsivo-e-hiperativo-isso-nao-significa-que-voce-tem-tdah.ghtml

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