Quando o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald J. Trump, refletiu em uma recente entrevista na televisão sobre se as vacinas causam autismo — uma teoria que foi desacreditada por dezenas de estudos científicos — pesquisadores da área suspiraram coletivamente de frustração. Mas durante a entrevista, no programa “Meet The Press” da NBC, Trump fez um comentário passageiro com o qual eles concordaram:
“Quero dizer, algo está acontecendo. Acho que alguém tem que descobrir”, ele disse, referindo-se às taxas crescentes de diagnósticos.
Os diagnósticos de transtorno do espectro autista (TEA) estão inegavelmente aumentando nos Estados Unidos — cerca de 1 em 36 crianças tem um, de acordo com dados coletados pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças de 11 estados. No Brasil, o transtorno atinge cerca de seis milhões de pessoas.
A maior parte do aumento é atribuída à maior conscientização sobre o transtorno e às mudanças na forma como ele é classificado por profissionais médicos. Mas os cientistas dizem que há outros fatores, genéticos e ambientais, que também podem estar desempenhando um papel.
O transtorno é inerentemente abrangente, marcado por uma mistura de problemas sociais e de comunicação, comportamentos repetitivos e padrões de pensamento que variam em gravidade. Uma criança levemente autista pode simplesmente lutar com dicas sociais, enquanto uma criança com um caso grave pode ser não verbal. Não há exame de sangue ou tomografia cerebral para determinar quem tem autismo, apenas as observações de um clínico.
Como não há uma causa específica para o autismo, os cientistas dizem que não há um fator específico por trás do aumento de casos. Mas no cerne da questão está uma distinção importante: mais pessoas estão exibindo os traços do autismo, ou mais pessoas com tais traços estão sendo identificadas agora? Parece ser ambos, mas os pesquisadores realmente não têm certeza da matemática.
Uma causa ilusória
Mais de cem genes foram associados ao autismo, mas o transtorno parece resultar de uma combinação complexa de suscetibilidades genéticas e gatilhos ambientais. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) tem um estudo em larga escala sobre os fatores de risco que podem contribuir para o autismo, e os pesquisadores examinaram dezenas de possíveis gatilhos, incluindo poluição, exposição a produtos químicos tóxicos e infecções virais durante a gravidez.
Algumas pesquisas sugerem que bebês nascidos de pais mais velhos — particularmente um pai mais velho — podem ter risco aumentado de autismo. Outros estudos sugerem que o nascimento prematuro ou baixo peso ao nascer podem estar associados ao autismo, que geralmente é ligado ao alto estresse oxidativo.
A ideia de que tais fatores também podem estar envolvidos no aumento geral do autismo é convincente para Juergen Hahn, professor do Instituto Politécnico Rensselaer que estuda a biologia dos sistemas computacionais do autismo, dado que tanto o número de crianças que sobrevivem ao parto prematuro quanto a idade média dos novos pais estão aumentando.
Mas testar um fator hipotético para o autismo significaria controlar a lista infinita de outras influências no desenvolvimento inicial e acompanhar a criança até a idade adulta, quando algumas pessoas agora recebem o diagnóstico.
“Esses são estudos muito complicados de conduzir, especialmente se você quer certeza estatística, e não há respostas fáceis. Às vezes, temos apenas que dizer que não sabemos. E isso sempre dá espaço para as pessoas especularem”, aponta Hahn.
A teoria mal informada de que as vacinas estão por trás do transtorno é um desses casos de especulação. Ela ganhou força quando um pesquisador britânico chamado Andrew Wakefield publicou um estudo de 12 crianças no final dos anos 1990, pretendendo revelar uma ligação entre a vacina contra sarampo, caxumba e rubéola e o TEA.
Muitos estudos maiores desacreditaram a hipótese desde então, incluindo um que inscreveu toda a população infantil dinamarquesa. Independentemente dos tipos de vacinas, dos ingredientes ou do cronograma, os pesquisadores não conseguiram estabelecer uma ligação. O artigo de Wakefield foi retratado, e ele perdeu sua licença médica, mas as sementes foram plantadas no discurso social.
Alterações diagnósticas
Um componente no aumento dos casos de autismo é muito mais certo: a ampliação dos parâmetros do espectro. O TEA apareceu pela primeira vez no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais em 1980, na terceira edição do guia, mas sua definição mudou em 1987, quando passou a incluir crianças cujos sintomas apareciam em idades mais avançadas — após 30 meses. A nova edição também expandiu os critérios para um diagnóstico de autismo, de seis para 16, e disse que as crianças precisavam exibir apenas metade dos 16 critérios listados, em vez de todos os seis critérios anteriores.
Uma quarta edição do manual, publicada em 1997, incluiu a síndrome de Asperger, um transtorno social que pode ser marcado por uma preocupação com um único interesse, no espectro do autismo. Essa foi uma mudança importante, pois significava que todas as pessoas — incluindo aquelas com habilidades intelectuais médias ou até acima da média — poderiam receber o diagnóstico.
A quinta edição, lançada em 2013, permitiu que os clínicos dessem um diagnóstico combinado de transtorno do espectro autista e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade. Ela também reuniu autismo, síndrome de Asperger e uma condição chamada PDD-NOS — abreviação de transtorno invasivo do desenvolvimento não especificado de outra forma — sob um único guarda-chuva.
“O que chamamos de autismo mudou para se tornar uma categoria mais ampla. Com o crescimento de clínicos particulares oferecendo diagnósticos tornou-se uma indústria”, afirma Simon Baron-Cohen, diretor do Autism Research Center da Universidade de Cambridge.
Maior conscientização
À medida que esses processos clínicos evoluíam, a infraestrutura social também evoluía. Até a década de 1980, muitas pessoas com autismo eram institucionalizadas, então os pais estavam muito menos familiarizados com os traços característicos do transtorno e normalmente não os reconheciam ou buscavam um diagnóstico quando eles ocorriam em seus próprios filhos.
Então, em 1991, crianças com diagnóstico de autismo começaram a se qualificar para serviços especiais nas escolas, o que deu aos pais um incentivo para procurar e aceitar diagnósticos. Por volta de 2007, a Academia Americana de Pediatria recomendou que todas as crianças fossem examinadas para autismo aos 18 e 24 meses, o que os especialistas acreditam ter levado a um grande aumento na detecção.
Várias mudanças nas tendências em nível populacional acrescentam mais evidências de que a conscientização e a inclusão podem estar por trás do aumento. Historicamente, meninos foram diagnosticados com autismo em taxas muito mais altas do que meninas , que são consideradas como “mascarando” seus sintomas de autismo por causa de normas sociais. Mas em uma era de maior aceitação da neurodiversidade, a lacuna de gênero está diminuindo.
Crianças hispânicas, negras e asiáticas apresentaram grandes aumentos em diagnósticos de autismo em comparação com crianças brancas entre 2011 e 2022, o que pode refletir melhor acesso a serviços de diagnóstico. E — talvez o mais indicativo — os aumentos relativos nas taxas de diagnóstico de autismo na última década foram maiores não entre crianças, mas entre adultos de 26 a 34 anos, muitos dos quais estavam buscando seu próprio diagnóstico pela primeira vez.
Pesquisadores também apontam para a influência das mídias sociais como um dos maiores fatores não reconhecidos que impulsionam a explosão de diagnósticos de autismo, segundo Baron-Cohen.
“Plataformas como o Reddit se tornaram um espaço onde pessoas que poderiam se perguntar se elas ou seus filhos eram autistas poderiam se comunicar entre si e sentir um novo senso de pertencimento e identidade”, diz o especialista.
Ainda assim, para Catherine Lord, psicóloga da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, que desenvolveu ferramentas de diagnóstico e estudos longitudinais para o autismo, a matemática simplesmente não está funcionando.
“Parte disso é claramente de maior conscientização e inclusão mais ampla. Mas mesmo que esses sejam os maiores fatores impulsionando o aumento, e mesmo que fatores biológicos e ambientais também estejam contribuindo, parece um pouco rebuscado pensar que todos esses fatores contribuem para o aumento”, pondera.
Ela está confiante, porém, com base em dados abundantes nos Estados Unidos e no exterior, de que a prevalência elevada de autismo não corresponde às imunizações infantis.
“Seja o que for, não são vacinas”, conclui Lord.
FONTE: https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2024/12/24/autismo-pesquisas-mostram-que-vacinas-nao-estao-por-tras-da-incidencia-de-casos-entenda.ghtml