20/06 | 2 anos de Coletivamente

Compartilhe

A saúde da mulher autista

Compartilhe

Quando pesquisamos sobre a saúde feminina, nos deparamos em grande parte das vezes com temas geralmente voltados para a ginecologia, mas a saúde feminina vai além de cuidados ginecológicos, os temas são vários e precisam ser mais amplamente abordados. Isso não quer dizer que os cuidados íntimos devam ser negligenciados, pelo contrário, mas falaremos deles e outros mais, direcionando o olhar para como são oferecidos e encarados pelas mulheres autistas.

Períodos como a puberdade (a menarca), a gravidez (o puerpério), a menopausa (a precocidade da fase) são exemplos onde podem surgir complicadores para o entendimento das mesmas e como serão seus
enfrentamentos diante de seus quadros. Avaliar a saúde feminina levando em consideração outros fatores, como a saúde mental, é importante, pois amplia a visão sobre as pacientes e não as condiciona apenas ao gênero, se oportuniza agir com mais respeito por suas peculiaridades e seus limites.

Mulheres autistas podem demostrar tendência a mascarar o que realmente sentem, e assim aumentar os sintomas e riscos para problemas clínicos pela falta de segurança nas equipes de saúde ao buscarem por tratamentos efetivos e menos invasivos. Essa prática de “adiamento” por tempo prolongado demais pode lhes trazer danos substanciais no corpo físico e aliando ao mental, promover condições associadas dolorosas, como fibromialgia, pânico, ansiedade, etc.

A negligência (in)voluntária à própria saúde pode estar diretamente relacionada ao modo como são atendidas nas unidades de saúde, ao invés de tratamentos humanizados e individualizados, são tratadas de forma generalizada e muitas vezes invalidadas. Esse tipo de atendimento faz com que evitem cada vez
mais contatos médicos e serviços de saúde. Começa a existir por parte de algumas a negação da necessidade de
atendimento médico, quando lhes advém lembranças de traumas passados no sistema de saúde, e isso faz com que não queiram repetir as experiências ruins.

Atendimento faz toda a diferença

Como os especialistas se preparam por anos para sua expertise, deveriam ter em seus ensinos acesso a maiores dados e técnicas de como atender a diversidade, para que sua expertise realmente aproxime ao invés de repelir.
Médicos e outros profissionais da saúde precisam entender que pode haver maior suscetibilidade emocional/física, como também exacerbação de temores e dores. Mesmo em procedimentos simples podem sentir essas dores de maneira muito mais profunda do que as pacientes neurotípicas. A invalidação dessas dores, na hora em que são relatadas, traz tristeza e frustração às mulheres autistas, por não se sentirem compreendidas, sentem o constrangimento de tal forma que muitas delas desistem de se cuidar, se arriscando a fim de evitar novo confronto com tamanha falta de sensibilidade, falta de empatia e principalmente para evitar o que lhes causa dor.

Se verificarmos bem de perto como se dá o atendimento de saúde para as autistas, principalmente as de baixa renda, vemos como faz falta o atendimento especializado e humanizado. Em grande parte de suas trajetórias são
atendidas sem o devido conhecimento sobre o transtorno, sem o devido acolhimento, e essas questões tendem a ser piores quanto maior o nível de suporte, e em muitos casos de idade. O constrangimento quando enfrentado pela pessoa típica é algo muitas vezes incompreensível a ponto de não saberem como enfrentar, mas é muito mais difícil para a pessoa atípica, devido a déficits de comunicação, timidez exagerada, também por não entender ou saber prever quais podem ser as reações e julgamentos do profissional, se sente amedrontada.

Se uma simples coleta de sangue pode ser algo que traga temor a dor , imagina passar por exames mais invasivos como por exemplo uma videohisteroscopia diagnóstica? Para leigos, este exame permite a visualização
interna do útero, sendo considerado um dos melhores para o diagnóstico de alterações uterinas. É considerado invasivo porque envolve a introdução de um instrumento (histeroscópio) no colo do útero, e assim pode causar
desconforto, cólicas e até dor, especialmente em mulheres mais suscetíveis ou quando o exame é feito sem anestesia. 

“A parte feminina do autismo é mais afetada por condições como ansiedade, depressão e transtornos alimentares, além de maior propensão a demonstrarem sofrimento psicológico, o que também podemos relacionar ao diagnóstico tardio. Os critérios diagnósticos para homens são mais claros, o que facilita que recebam seus laudos mais precocemente.” (Claudia Moraes, em “A saúde mental das mulheres autistas”, 2022)
Devido à falta desse conhecimento, alguns profissionais podem cair em erros, cito a seguir alguns exemplos mais comuns:

1) Invalidar o diagnóstico por não ver nas pacientes características que são próprias do autismo feminino;
2) Não considerar questões como as emoções e dores exacerbadas;
3) Não considerar questões sensoriais que podem levar a casos como anorexia, obesidade;
4) Tempo longo de espera nas antessalas. Tempo curto de consulta, resultando na falta das explicações de como se dará o tratamento. A frustração que isso gera é grande;
5) Invalidação da causa da obesidade poder acontecer também por fatores ligados ao autismo, como questões sensoriais e emocionais, e não apenas por excesso de ingesta.

Condições associadas ao TEA também devem ser devidamente avaliadas com critérios precisos e específicos, pois trazem alterações importantes nas vidas das mulheres afetadas. Dentre as principais que a serem consideradas estão: depressão, ansiedade, bipolaridade, TDAH, TOC, TOD, esquizofrenia, distúrbios do sono, epilepsia, distúrbios gastrointestinais e alimentares.

Para encerrar, cabe a seguinte reflexão, também extraída do texto “A saúde mental das mulheres autistas”, sobre a necessidade de adaptações para as autistas: “Adaptações deveriam vir de forma empática, e não esperar que apenas a pessoa autista dê conta de tudo o que se espera dela, sem que isso lhe cause maiores sofrimentos.”

FONTES: Sabatella, Maria Lúcia Prado. Talento e Superdotação: problema ou solução?/ Maria Lúcia Prado Sabatella. Curitiba: Intersaberes, 2013. https://www.canalautismo.com.br/artigos/saude-mental-das-mulheres-
autistas/#:~:text=A%20parte%20feminina%20do%20autismo,podemos%20relacionar%20ao%20diagn%C3%B3stico%20tardio. https://institutoneurosaber.com.br/quais-sao-as-principais-comorbidades-do-
autismo/#:~:text=As%20principais%20condi%C3%A7%C3%B5es%20que%20p
odem,e%20outros%20transtornos%20do%20neurodesenvolvimento
E-book TEA, Educacao e Família, de Cláudia Moraes.
E-book TEA no atendimento em saúde: um cuidado específico com um olhar para o todo.
Disponíveis gratuitamente no site da ONDA-Autismo
www.ondaautismo.com.br

Veja também...

No vídeo abaixo, bem humorado, toco em pontos que comumente as pessoas confundem quando tratamos de autismo. Espero que gostem.

Mãe, pai… Você não precisa dar conta de tudo.Nem ser perfeito.Nem acertar sempre. Ser pai ou mãe já é, por si só, …

Você já conhecia o Experimento de Milgram? Nos anos 1960, o psicólogo Stanley Milgram realizou um dos experimentos mais marcantes da história …

plugins premium WordPress