O transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é considerado um dos transtornos mais comuns em crianças e adolescentes. Estima-se que atinja cerca 6% das crianças em idade escolar, e é bastante comum que os sintomas acompanhem o indivíduo durante a vida adulta.
A condição se caracteriza por uma combinação de dois tipos de sintomas: hiperatividade e impulsividade, o que causa desatenção e dificuldade de concentração nas atividades. Em alguns casos, a pessoa desenvolve uma combinação dos sintomas.
Muitas vezes, pessoas com TDAH demoram para receber um diagnóstico correto, principalmente se os sintomas forem leves, o que provoca sofrimento e atrapalha a rotina ao longo da vida. Por conta disso, um dos efeitos de longo prazo do TDAH é o risco aumentado de uso de substâncias químicas.
Pesquisas apontam que as crianças com TDAH são de duas a três vezes mais propensas a usar e abusar de substâncias do que a população em geral. Além disso, um estudo recente da Universidade de Toronto mostrou que metade dos adultos com idades entre 20 e 39 anos com TDAH teve pelo menos um episódio de uso de substâncias em sua vida.
O uso de álcool foi a substância mais comum entre adultos jovens com TDAH (36%), seguido por uso de cannabis (23%). E destacou que os adultos jovens com TDAH também eram três vezes mais propensos a experimentar algum tipo de droga ilícita quando comparados a indivíduos sem a condição.
De acordo com Mario Louzã, psiquiatra e coordenador do Programa Déficit de Atenção e Hiperatividade no Adulto (Prodath) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq), em São Paulo, a dependência de drogas e álcool é uma comorbidade bastante frequente em quem tem TDAH. Dessa forma, as duas condições acontecem ao mesmo tempo: sabe-se que a dependência pode atingir uma em cada cinco pessoas com TDAH.
“O principal motivo é a tentativa de tratar e aliviar os sintomas do transtorno. Algumas substâncias acalmam, amortecem a hiperatividade, já outras ajudam na concentração e na cognição. O uso dessas substâncias diminui o ritmo dos pensamentos”, explica o especialista.
Além disso, pessoas com TDAH tendem a ser mais impulsivas e propensas a ter problemas de comportamento, os quais podem contribuir para o abuso de drogas e álcool.
Ligação genética
Os pesquisadores também acreditam que exista uma ligação genética entre o TDAH e a vulnerabilidade para o desenvolvimento da dependência por uso de substâncias. Os genes também desempenham um papel no desenvolvimento da dependência.
Além de estarem predispostos ao uso de substâncias por causa dos sintomas do TDAH, sabe-se que os adolescentes com o transtorno apresentam outros fatores de risco quando se trata do uso abusivo de substâncias químicas.
Entre eles, estão:
1) Outros distúrbios concomitantes: É bastante comum que os jovens com TDAH também tenham depressão e ansiedade. Essas condições também aumentam o risco de dependência de substâncias.
2) Fatores ambientais: Outras situações frequentes em quem tem o transtorno são a dificuldade de adaptação escolar e os problemas de aprendizagem, que frequentemente atrapalham a autoestima. Essas questões contribuem para que o jovem procure com mais frequência drogas e álcool.
Depois do diagnóstico, é importante que a criança ou jovem tenha um acompanhamento médico. Podem ser indicados alguns medicamentos que ajudam a controlar os sintomas, já que estes liberam substâncias químicas do cérebro para controlar os impulsos e as ações de hiperatividade.
No entanto, muitos pais ficam em dúvida se a medicação usada poderia aumentar a probabilidade de uso de substâncias ou causar qualquer tipo de dependência. Mas, de acordo com os especialistas consultados, não há esse risco.
Estudo com 150 mil jovens
Um estudo da Universidade de Princeton, realizado com os dados de 150 mil jovens com TDAH, apontou que aqueles que tomavam medicação tinham 7,3% menos probabilidade de desenvolver dependência em substâncias.
“Pacientes que fazem o tratamento adequado desde o diagnóstico têm menos chances de dependência. Portanto, funciona como uma estratégia para proteger o indivíduo contra o abuso de substâncias químicas. Vale destacar que os medicamentos não provocam dependência, apenas controlam os sintomas de TDAH”, destaca Maria Conceição do Rosário, psiquiatra, professora associada do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenadora da Unidade de Psiquiatria da Infância e Adolescência (Upia), também na capital paulista.
O TDAH não tem cura, já que não é uma doença, mas tem tratamento. Além disso, mudanças na rotina e nos comportamentos dos familiares ajudam os pais, as crianças e os jovens a conviverem melhor com o transtorno.
É comum que o especialista indique uma combinação de medicamentos e psicoterapia e passe orientações para lidar com esses comportamentos difíceis e desafiadores – tanto para os pais quanto para os professores.
Quando o diagnóstico ocorre de forma tardia e o indivíduo também desenvolve dependência de substâncias, é preciso ampliar as intervenções terapêuticas.
“O primeiro passo é focar na dependência, ajudar a pessoa durante a abstinência, evitar recaídas e iniciar o tratamento para TDAH. Neste momento, é importante focar nas duas condições, fazer acompanhamentos regulares, usar medicamentos e contribuir para sua reabilitação”, complementa Louzã.
Cérebros que funcionam de forma diferente
Após o diagnóstico, os pais e familiares devem aceitar o fato de que as crianças com TDAH têm cérebros que funcionam de maneiras diferentes, e por isso podem ter comportamentos impulsivos e serão mais desatentas.
“É um processo de aprendizagem. Os pais devem buscar orientação sobre o quadro, mas é fundamental continuar o tratamento mesmo após os sintomas melhorarem. Também vale a pena investir em terapia comportamental, ter regras claras, impor limites e se manter aberto ao diálogo”, afirma Rosário.
Os pais também devem ajudar as crianças e os jovens a desenvolver estratégias de enfrentamento positivas para lidar com situações frustrantes. Isso ajuda a evitar que eles recorram a substâncias químicas quando passam por desafios no dia a dia. E também aprendam a lidar com a impulsividade, fazendo escolhas que não os prejudiquem no futuro.
Por fim, os especialistas destacam que é fundamental que os relacionamentos em casa e na escola sejam saudáveis. As brigas aumentam o estresse, o que leva à procura por diferentes drogas para lidar com a tensão e o sofrimento.
FONTE: https://drauziovarella.uol.com.br/drogas-licitas-e-ilicitas/tdah-e-abuso-de-substancias-qual-e-a-relacao/