20/06 | 2 anos de Coletivamente

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Autismo e síndrome de Down

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O diagnóstico de síndrome de Down de Laura veio logo após o nascimento, em 1991. O médico deu a notícia no dia seguinte ao parto, em um hospital de Curitiba (PR). “Eu [estava] ansiosa para vê-la. Ele chegou na porta com aquela pasta de médico, não entrou, e disse, ‘tua filha tem todos os estigmas do mongolismo [forma pejorativa de falar sobre a síndrome de Down]’”, conta Suely Schmidt, em entrevista à revista “Galileu”.

Mas, ao longo dos anos, Laura apresentou comportamentos que levaram Suely e os médicos a questionar se a filha não possuía algum transtorno. “Muitas vezes, inclusive, a gente ficava em dúvida, será que é falta de limites?, conta a autora do livro Laura: Uma Maternidade Especial, em que relata sua trajetória enquanto mãe. O diagnóstico de autismo, no entanto, só viria mais de dez anos após o nascimento.

O pensamento de Suely não é incomum. Pessoas com autismo podem apresentar crises motivadas pela exposição a estímulos sensoriais, por exemplo, o que pode ser confundido com a famosa “birra de criança”.

Apesar de os sintomas serem os mesmos, a manifestação do autismo é diferente em homens e mulheres, explica o psiquiatra Antônio Alvim, professor adjunto do Departamento de Saúde Mental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Nelas, é comum que comportamentos característicos sejam camuflados, um fator que pode explicar a subnotificação dos casos de autismo em mulheres.

Em 2020, a cada 36 crianças, uma tinha autismo, segundo dados da organização Centers for Disease Control and Prevention (CDC), dos EUA, divulgados em 2023. O número cresceu desde o ano 2000, quando foi registrado um caso a cada 150 crianças.

Mais prevalência em meninos

O relatório mostra que cerca de 4% dos meninos e 1% das meninas com 8 anos de idade têm autismo. Segundo o documento, o autismo é 3,8 vezes mais “prevalente” entre meninos do que entre meninas. A prevalência diz respeito ao número de pessoas em uma população que tem a condição em relação a toda aquela população. Em 2016, a prevalência entre meninos era 4,3 vezes maior do que em meninas.

Esses dados são usados como uma referência para outros países, inclusive o Brasil, onde não há números oficiais do diagnóstico de autismo. “Às vezes a gente extrapola esse dado com uma prevalência de mais ou menos 2% a 3% da população”, explica o psiquiatra. “O autismo não é uma condição de notificação compulsória. Então, a gente não tem esses dados”, afirma.

Para profissionais da saúde, o aumento no número de casos ao longo de 20 anos não tem relação com uma maior prevalência do autismo, mas com o aumento de diagnósticos que não existiam de forma oficial em anos passados, especialmente entre as mulheres.

O diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) é clínico, portanto não existe um exame necessário para isso, mas uma análise de comportamentos que se dividem em dois grupos: déficits na comunicação e na interação social e interesses restritos e repetitivos.

“A gente tem que sempre observar não só a questão da quantidade, mas também a qualidade da interação que essa criança apresenta”, explica Alvim. O psiquiatra diz que o diagnóstico para crianças com menos de um ano de idade é complexo, mas a partir dessa idade já é possível avaliar o quadro.

Em crianças, os comportamentos repetitivos se relacionam com brincadeiras do dia a dia. Por exemplo, uma criança que brinca de enfileirar os carrinhos, sem desenvolver uma atividade imaginativa com o objeto. Também há a presença da “estereotipia”, que são comportamentos motores que se repetem, como agitar as mãos e a cabeça e andar na ponta dos pés.

Já em adultos, a ausência de diagnóstico pode ter relação com a falta de conhecimento sobre o transtorno. É comum que os sintomas sejam naturalizados no dia a dia e a pessoa lide com eles sem entender que se trata de um transtorno. Para diagnosticá-la, informações do passado são cruciais, como relatos de parentes próximos sobre sua infância e padrões de comportamento que se mantiveram ao longo da vida.

No caso de Laura, Suely explica que, à medida que ela crescia, comportamentos agressivos ou de pouca interação social apareceram. “A gente fazia parte de uma associação da síndrome de Down e as outras crianças eram muito diferentes dela em termos de comportamento”, conta. “Mas o diagnóstico mesmo só veio bem mais tarde, ela tinha cerca de 12 anos de idade […] porque eles davam outros diagnósticos, sabe? Nunca era autismo.”

Todo transtorno psiquiátrico é uma combinação de fatores genéticos e ambientais. No caso do autismo, a genética é relevante, mas há casos em que nenhum fator hereditário explica seu surgimento.

Prematuridade, uso de determinadas substâncias pela mãe durante a gravidez e infecção do sistema nervoso central em um período curto do desenvolvimento são alguns dos fatores ambientais que podem levar ao diagnóstico do autismo. “Mas a genética tem um papel importante”, reitera Alvim.

O autismo é um transtorno de herança poligênica, ou seja, quando vários genes interagem e contribuem para a formação de uma característica. Assim, a presença de autismo em uma criança não indica que seus pais também possuem o transtorno. É comum que no autismo haja outras comorbidades associadas, como síndromes.

Ao contrário do autismo, a síndrome de Down corresponde a uma alteração genética. Nesse caso, há uma divisão celular do embrião que leva trissomia do cromossomo 21 (quando há três cromossomos no par 21, em vez de dois).

No caso das mulheres, a exemplo de Laura, o TEA também pode ser mal diagnosticado, como mostra um artigo no portal Adult Autism health Resources, da Escola de Medicina da Universidade Harvard, nos EUA.

Em geral, médicos são treinados para reconhecer interesses estereotipados associados aos homens, como carros, dinossauros ou espaço. Já as mulheres autistas podem desenvolver interesses “mais alinhados às normas sociais”, como animais, arte, celebridades ou literatura. Isso pode contribuir para o entendimento de que mulheres com esses interesses restritos (também chamados de “hiperfocos”) estão simplesmente exibindo hobbies, e não traços autistas, segundo o artigo.

“Brincar, por exemplo, de casinha ou boneca, faz com que a criança tenha uma brincadeira imaginativa, mais do que o menino”, acrescenta Alvim. O médico explica que, com base no histórico comportamental, elas vão ser mais diagnosticadas com ansiedade ou com depressão do que com autismo propriamente dito, o que caracteriza um ofuscamento diagnóstico. Elas também tendem a mascarar os sintomas por meio da imitação do comportamento social alheio.

“Para o autismo, o índice era pequeno, a prevalência era pequena. Então, a gente sabia pouco a respeito do autismo [naquela época]”, relata Suely. “A gente convivia com todas aquelas dificuldades e procurava solução em vários tipos de terapias, desde medicamentos até psicólogos e educadora comportamental”.

Não é incomum

Os números variam, mas estudos mostram que entre 15% e 30% das crianças com síndrome de Down apresentam um quadro de autismo. Apesar disso, não é incomum que o transtorno passe despercebido e que todos os seus sintomas sejam atribuídos àquela síndrome, uma vez que ela é mais marcante.

O TEA é dividido em três níveis de suporte. No nível 1, há dificuldades de socialização, mas a pessoa é capaz de realizar atividades diárias complexas e não tem atraso na linguagem, O nível 2 se caracteriza pela necessidade de adaptações para realizar atividades do dia a dia, podendo haver algum prejuízo na linguagem. Já no terceiro nível, é comum haver um atraso considerável na linguagem e necessidade de suporte em tarefas básicas.

O psiquiatra explica que, quando o transtorno se apresenta junto à síndrome de Down, é como se as condições se somassem, cada uma com seus respectivos sintomas. “A criança com Down tem uma inteligência limítrofe ou uma deficiência intelectual leve e tem problemas cardíaco.”

Para Alvim, a falta de diagnóstico de autismo no Brasil tem relação com a ausência de um prontuário unificado, bem como a carência de notificação compulsória. “Em alguns países, por exemplo, a pessoa em qualquer lugar que ela é atendida tem o mesmo prontuário. Se ela está em outro estado, o profissional tem acesso ao prontuário da cidade onde ela vive.”

O livro de Suely tem como objetivo que mães como ela se identifiquem com sua trajetória de maternidade com uma filha diagnosticada com autismo nível 3. Mas não somente. “A sociedade não sabe, desconhece o que é ser mãe de autistas severos. E as mães, muitas vezes, são sozinhas”, comenta. Laura hoje tem 33 anos.

A autora ajudou a fundar a associação Reviver Down e foi uma das fundadoras da Lar Assistido, organização que destacava a importância de criar moradias assistidas para pessoas com deficiência intelectual.

FONTE: https://revistagalileu.globo.com/saude/noticia/2024/08/diagnosticar-autismo-e-mais-dificil-em-mulheres-mae-de-autista-com-down-conta-saga.ghtml

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