20/06 | 2 anos de Coletivamente

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Cresce o diagnóstico em adultos

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O trajeto no trânsito tem que ser sempre o mesmo. A vaga no estacionamento tem que ser sempre a mesma. As músicas escutadas têm que ser sempre as mesmas. Esses são alguns dos padrões ritualísticos do advogado Romeu Sá Barreto, de 44 anos, que sempre foram taxados de “manias”. Sua dificuldade de socialização e sua habilidade com os estudos lhe renderam, desde pequeno, os títulos de “tímido” e “nerd”.

Ele sabia que era diferente da maioria dos colegas. Chegou a fazer tratamento para o atraso da fala e acompanhamento com psicólogo por conta da timidez. Mas ninguém sabia por que Romeu era como era, nem ele mesmo, antes de seus 42 anos. Num laudo de 14 páginas, a resposta chegou numa frase que se destacava: autismo nível 1 de suporte com alto rendimento.

O documento foi resultado de oito sessões com uma neuropsicóloga, que ele procurou depois da chegada do diagnóstico de autismo da filha, Maria Clara, de 4 anos na época.

“Passei a me observar mais e a ser mais observado pela minha esposa e por outras pessoas próximas a mim. A desconfiança chegou e eu fui em busca da comprovação”, conta.

Aumento de prevalência

Ele se tornou especialista em direito dos autistas depois que estudos na área viraram um hiperfoco (intensa concentração mental em um tópico específico, frequente em pessoas com autismo).

Romeu é um entre tantos adultos que receberam diagnóstico tardio após descobrirem que os filhos são autistas, num efeito dominó, já que o número da incidência do transtorno em crianças tem crescido.

Uma pesquisa do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), feita em 2020 e divulgada em abril deste ano, revela que 1 a cada 36 crianças dos Estados Unidos com menos de 8 anos tem autismo. Em 2010, a taxa era de 1 caso a cada 68 meninos e meninas.

No ano 2000, a prevalência era de 1 em 150 — e nos estudos preliminares da área, realizados ainda nos anos 1960, esse número era estimado em 1 a cada 2,5 mil.

De acordo com a neuropsicóloga Joana Portolese, coordenadora do Laboratório de Autismo (Protea) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, enquanto nos EUA a proporção de crianças com autismo é de 2,8%, a de adultos é de 2,2%. 

No Brasil, há uma ausência de dados. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fez o primeiro levantamento no censo de 2022, mas os números, segundo o órgão, só serão divulgados no segundo semestre de 2024.

Em Salvador, Bahia, o número pode ser estimado a partir da quantidade de emissões da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (CIPTEA), que começaram em 2023, após a Lei Romeo Mion (13.977/2020). Foram 4.818 ao todo.

A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos da Bahia, que possui um conselho para pessoas com deficiência, afirmou que se baseia no número de concessões de Passe Livre Intermunicipal para pessoas com deficiência, que garante gratuidade nos modais de transporte. Desse universo, 4.200 passes são de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). 

Para especialistas na área, a explicação para o crescimento está em dois fatores: maior disseminação de conhecimentos sobre o transtorno, que gera procura por diagnóstico; e qualificação de profissionais, que estão mais capacitados para identificar a condição, inclusive, em pessoas nos níveis mais baixos do espectro (com características menos marcantes), como Romeu.

O dia 2 de abril foi definido pela ONU em 2007 como o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. A data é voltada para a conscientização da sociedade sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Tudo pareceu se encaixar

Romeu conta que sua mãe nunca havia ouvido falar sobre autismo até saber do diagnóstico da neta. Depois da descoberta, tudo pareceu se encaixar.

“O diagnóstico foi libertador porque agora eu sei por que eu sou do jeito que eu sou. Sei que meu cérebro funciona de uma forma diferente do cérebro de pessoas neurotípicas. O que antes era visto como ‘anormalidade’, hoje tem explicação científica: nada mais é do que uma forma diferente do cérebro funcionar e de algumas pessoas viverem.”

A filha de Romeu contribui para o também crescente número de meninas e mulheres diagnosticadas. Na última pesquisa feita nos EUA, este foi o primeiro ano em que a porcentagem de meninas com autismo superou a casa de 1%.

Yngrid Gomes, de 27 anos, recebeu o diagnóstico há poucos meses. Ela é psicóloga e trabalha com crianças autistas desde 2019. Foi durante a pós-graduação em Análise do Comportamento Voltada para o Autismo e Outras Neurodivergências no Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC) que ela resolveu ser avaliada.

“Era mais comum vermos meninos com nível 3 de suporte (geralmente não oralizados e com deficiências intelectuais) sendo diagnosticados. Agora, já temos mais os níveis 1 e 2 e mais meninas. O que acontecia era um mascaramento porque a menina já é tida como mais quieta, mais tímida. E os comportamentos repetitivos que autistas costumam apresentar são mais reprimidos nelas, por uma pressão social pelo bom comportamento”, explica Yngrid.

Durante a infância, ela foi taxada de “mimada”. “Eu arrumava os lápis dentro do estojo e, quando chegava na escola e via que não estavam do jeito que eu tinha deixado, chorava muito. Meus pais nunca desconfiaram, mas eu não os culpo porque eles não tinham informação”, conta.

Ela compartilha que sentiu alívio ao receber o diagnóstico e passou a entender seus comportamentos e parar de se reprimir. “Tinha muita coisa que eu ficava tentando disfarçar e hoje eu vejo que aquilo não era saudável”, destaca.

A neuropsicóloga Joana Portolese alerta: “O mascaramento é muito comum em adultos, que tentam se adaptar diante de desafios de interação social e de dinâmica de trabalho. Isso gera um desgaste que vai se tornando um sofrimento e gerando sintomas de ansiedade, depressão, compulsão.”

Esse foi o caso do estudante Rodrigo Oliveira, de 30 anos. Ele recebeu o diagnóstico de autismo aos 29, depois de um quadro grave de ansiedade e depressão.

“Se eu tivesse tido o diagnóstico antes, eu não sei se eu seria o mesmo Rodrigo que sou hoje. Apesar de tardio, me trouxe uma sensação libertadora porque eu passei por muitas coisas e fiquei muito tempo sem saber por quê. Depois do diagnóstico, muita coisa fez sentido. Eu não fiquei triste, eu me abracei e me aceitei”, compartilha.

FONTE: https://www.correio24horas.com.br/asteriscao/por-que-cada-vez-mais-adultos-estao-sendo-diagnosticados-com-autismo-0524

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