Entre outras inúmeras abordagens importantes, o Dia Mundial da Saúde Mental, celebrado ontem, permite colocar em pauta a saúde mental das mulheres autistas, um grupo muitas vezes negligenciado quando se trata de diagnóstico precoce e intervenções adequadas.
Neste contexto, destaco três fatos importantes sobre as mulheres autistas:
1) Elas normalmente são diagnosticadas mais tardiamente (Lai et al., 2015);2)
2) São mais propensas a comorbidades psiquiátricas (Lai & Baron-Cohen, 2020);
3) Têm maior tendência ao uso de camuflagem social (Hull et al., 2020).
Esses fatos estão intrinsecamente ligados. Já se reconhece que o diagnóstico do TEA feminino é mais desafiador, por diversos motivos, como: particularidades do comportamento e funcionamento cerebral feminino; aspectos biológicos, culturais e sociais, além de critérios diagnósticos baseados predominantemente na população masculina (Lai et al., 2015; Rutherford et al., 2016).
Tudo isso contribui para características aparentemente “mais sutis”, que podem passar despercebidas especialmente frente ao “estereótipo mais conhecido” do TEA masculino – levando, muitas vezes, a diagnósticos mais tardios ou equivocados no público feminino.
E o fato de meninas/mulheres receberem o diagnóstico de TEA mais tardiamente em muito se relaciona a questões de saúde mental. Não são raros os casos de meninas adolescentes ou adultas que se apresentam com quadros de ansiedade, depressão e/ou estresse, por exemplo, e, quando se submetem a uma avaliação especializada, recebem o diagnóstico de TEA já com comorbidades. Isso porque possivelmente enfrentaram desafios significativos ao longo da vida sem terem o correto ‘entendimento’ sobre eles e o suporte necessário.
Cérebro mais sociável
Soma-se a isso o fato de o cérebro feminino ser mais sociável, com maior capacidade para empatia e habilidades comunicativas, o que favorece a camuflagem social entre adolescentes/mulheres autistas. A camuflagem social ou masking contempla tanto o uso de técnicas conscientes como inconscientes para “mascarar”, assimilar ou compensar comportamentos do espectro autista. Para isso, exige um esforço cognitivo considerável. Dessa forma, ao mesmo tempo em que se configura como uma ferramenta adaptativa, tende a levar a experiências extremamente negativas de ansiedade, estresse, depressão, baixa autoestima, exaustão emocional, pensamentos suicidas.
Todos esses desafios relacionados ao TEA feminino reforçam a importância de um olhar integral às meninas/mulheres autistas, com foco no reconhecimento e tratamento das comorbidades psiquiátricas. Pedem, inclusive, um olhar mais atento àquelas que ainda não receberam o diagnóstico de autismo mas apresentam dificuldades expressivas nas situações sociais além de quadros relacionados a sofrimento psíquico.
Referências:
Hull, L., Mandy, W., Petrides, K. V., et al. (2020). Development and validation of the Camouflaging Autistic Traits Questionnaire (CAT-Q). Journal of Autism and Developmental Disorders, 50(3), 819-833.
Lai, M. C., & Baron-Cohen, S. (2020). Autism. The Lancet, 396(10267), 820-830.
Lai, M. C., Lombardo, M. V., Auyeung, B., Chakrabarti, B., & Baron-Cohen, S. (2015). Sex/gender differences and autism: setting the scene for future research. Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry, 54(1), 11-24.
Rutherford, M., McKenzie, K., Johnson, T., Catchpole, C., O’Hare, A., McClure, I., & Murray, A. (2016). Gender ratio in a clinical population sample, age of diagnosis and duration of assessment in children and adults with autism spectrum disorder. Autism, 20(5), 628-634.