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Texas vai à Justiça por Tylenol

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O procurador-geral do Texas, Ken Paxton, entrou com uma ação judicial contra a Kenvue — atual fabricante do Tylenol — e sua antiga controladora, a Johnson & Johnson — acusando as empresas de enganar consumidores ao vender o analgésico “mesmo sabendo de supostos riscos de autismo em bebês quando usado por gestantes”.

Segundo o jornal americano The Washington Post, o processo foi movido em um tribunal estadual e faz do Texas o primeiro estado norte-americano a adotar oficialmente essa tese, impulsionada por discursos recentes do presidente Donald Trump e do secretário de Saúde, Robert F. Kennedy Jr. Ambos têm vinculado o uso do paracetamol (acetaminofeno) na gravidez a distúrbios do neurodesenvolvimento — sem respaldo científico.

A ação surge um mês após Trump alertar publicamente gestantes a evitarem o Tylenol, ecoando a narrativa de Kennedy Jr. de “epidemia de autismo” nos Estados Unidos. Ambos são apontados por pesquisadores como responsáveis por difundir desinformação sobre o tema.

Paxton, aliado de Trump e candidato ao Senado, afirmou ao anunciar o processo:

“Ao responsabilizar a Big Pharma por envenenar nosso povo, ajudaremos a tornar a América saudável novamente.”

A frase faz referência direta ao movimento “Make America Healthy Again” (MAHA), liderado por Kennedy Jr.

A Kenvue classificou a ação como “infundada” e disse estar “profundamente preocupada com a perpetuação de desinformações sobre a segurança do acetaminofeno”. Segundo a empresa, o Tylenol “continua sendo a opção mais segura de analgésico para gestantes, quando usado conforme orientação médica”.

A Johnson & Johnson, por sua vez, destacou que vendeu sua divisão de produtos de consumo em 2023, transferindo “todos os direitos e responsabilidades” da marca à Kenvue.

O que dizem as agências reguladoras

Em setembro, a Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) anunciou que revisaria o rótulo do Tylenol após alguns estudos indicarem “possível associação” entre o uso de acetaminofeno, substância do medicamento, na gravidez e distúrbios como autismo e TDAH.

No entanto, a própria agência enfatizou que “não há relação causal comprovada” — e o medicamento segue sendo o único indicado para controlar febre em gestantes.

A Comissão Europeia também afirmou não existirem evidências científicas que sustentem a relação entre o uso de paracetamol durante a gravidez e risco de autismo.

O Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia (ACOG) afirma que os estudos disponíveis “não mostram evidências claras de uma relação direta entre o uso prudente de paracetamol em qualquer trimestre e problemas de desenvolvimento fetal”.

Já o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS) classifica o medicamento como “a primeira escolha” de analgésico na gestação.

Especialistas ouvidos pelo g1 reforçam que os estudos existentes são observacionais e sujeitos a distorções.

“Associação não é o mesmo que causalidade. Quando retiramos fatores de confusão — como febre, infecções ou genética —, o vínculo entre o uso de paracetamol e o autismo desaparece”, explica o psiquiatra infantil Guilherme Polanczyk, da Universidade de São Paulo.

O maior estudo recente, publicado na revista científica JAMA, analisou 2,5 milhões de crianças na Suécia e concluiu que, ao comparar irmãos da mesma mãe, não há diferença significativa de risco de autismo, TDAH ou deficiência intelectual associada ao uso do medicamento.

Nos Estados Unidos, a prevalência de diagnósticos de transtorno do espectro autista (TEA) passou de 1 em cada 150 crianças em 2000 para 1 em 36 em 2020, segundo o CDC. Mas o aumento é atribuído a critérios diagnósticos mais amplos e à maior busca por avaliação e suporte educacional, não a um surto real de novos casos.

Hoje o diagnóstico é feito com critérios diferentes e inclui pessoas com quadros leves. Há mais diagnósticos, mas não necessariamente mais autismo na população”, diz Polanczyk.

Pesquisas indicam que a genética responde por 85% a 90% da origem do autismo, e fatores ambientais representam o restante — o que reforça que medicamentos como o paracetamol não poderiam alterar causas genéticas.

Desinformação e uso político

Para Arthur Ataide Garcia, vice-presidente da associação Autistas Brasil e pesquisador em desinformação, o governo Trump vem “usando o autismo como combustível para uma cruzada política que nada tem a ver com ciência ou inclusão”.

“É sintomático quando figuras como Kennedy Jr. descrevem autistas como pessoas incapazes ou improdutivas. Esse tipo de discurso reforça estereótipos cruéis”, critica.

Garcia alerta que o Brasil lidera na América Latina a disseminação de falsas causas e curas para o autismo, muitas delas importadas do debate norte-americano.

Além da polêmica sobre o Tylenol, Trump e Kennedy Jr. vêm promovendo o uso da leucovorina — uma forma de ácido fólico usada em quimioterapia — como possível tratamento para o autismo, sem respaldo científico.

A FDA aprovou recentemente uma versão do medicamento, mas especialistas, como Polanczyk, alertam que as evidências ainda são limitadas:

“Não é seguro afirmar que a leucovorina ou qualquer outro remédio seja capaz de tratar os sintomas principais do autismo. O autismo é extremamente heterogêneo — duas pessoas podem ter causas genéticas e respostas diferentes a qualquer intervenção.”

FONTE: https://g1.globo.com/saude/noticia/2025/10/28/texas-processa-fabricantes-do-tylenol-por-suposta-ligacao-com-autismo-especialistas-dizem-que-nao-ha-provas-cientificas.

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