Apesar da inserção de autistas no ambiente corporativo ser garantida por lei, a realidade para muitos adultos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) ainda está longe de ser ideal. Mesmo com as leis de inclusão e a crescente conscientização sobre a diversidade, cerca de 85% dos profissionais com autismo continuam fora do mercado de trabalho, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O jovem Augusto Menaguali Lima Costa, de 23 anos, enfrenta desafios ao tentar se inserir no mercado de trabalho. Ele relata que descobrir ser autista foi um alívio: “Me descobrir autista foi um alívio até pra eu poder entender o motivo de ser diferente e ter dificuldades para aprender as atividades na escola. Por onde passei, nunca houve inclusão de fato. Eu precisava de todo material adaptado para ter o maior aprendizado e era uma luta constante.”, enfatiza.
Quando se trata de buscar emprego, Augusto conta que embora alguns empregadores tenham uma reação inicial amistosa frente ao diagnóstico, ele raramente é selecionado para as vagas. Augusto destaca que, infelizmente, poucos espaços são verdadeiramente inclusivos e que há uma necessidade urgente de melhorias. Para ele, adaptações como a modificação das tarefas, supervisão direta, carga horária adaptada e acolhimento do entorno são essenciais.
“Acho que existe muito boa vontade mas falta realmente a prática de inserção. As vagas para pcd são em sua maioria, para pessoas com deficiência física e não intelectual, o que dificulta a inserção no mercado de trabalho”, pontua o jovem.
Alexsandra Menaguali Lima, mãe de Augusto, expressa suas preocupações sobre como seu filho será recebido no mercado de trabalho. Ela questiona: “Como meu filho será recebido? Como será tratado? Será que será selecionado após saberem do autismo?” Essas dúvidas refletem a hostilidade que muitas vezes o mundo apresenta para pessoas com autismo. No entanto, Alexsandra sempre incentiva Augusto, mostrando que ele é capaz de qualquer coisa se se dedicar, e afirma que ele pode aprender e fazer tudo que lhe for proposto.
“Desejo que haja locais em que possamos mostrar nossas habilidades, compromisso e amor nas tarefas simples e ainda, que haja respeito e acolhimento. Afinal, autistas são capazes tanto quanto outra pessoa sem transtorno”, enfatiza Augusto.
Preparo e empatia
A jornalista e autista Maria Isabel Dias da Cruz, de 26 anos, também busca uma oportunidade no mercado de trabalho. Ela conta que durante um processo seletivo, além do nervosismo, faltaram um tratamento humanizado, preparo e empatia com os candidatos à vaga.
“Eles trataram as pessoas de um jeito ruim, lá dentro, o lugar estava frio pra caramba. Quando a gente chegou na sala, tinha que ter levado um casaco de neve, porque o negócio estava assim, muito frio”, contou sobre uma das dificuldades que enfrentou durante a etapa de um processo seletivo para um estágio.
Além disso, Márcia Beserra, mãe da Maria Isabel, ressalta que a falta de feedback dos recrutadores gerou frustração: “Depois, para piorar, eles não deram nenhum tipo de retorno pras pessoas, e ela ficava todo dia me perguntando se tinha um retorno. Foi uma experiência horrível o processo seletivo. A gente está trabalhando para que as empresas tenham um RH inclusivo. Porque eles têm que ter outro tipo de avaliação e de recepção, tem que ter um olhar específico, porque se você não passar desse primeiro ponto, você nunca vai chegar na Maria Isabel de fato, entendeu?”, ressalta a Márcia.
Para a jovem Maria Isabel, as mudanças começam a partir da informação e da conscientização. “A gente sempre tem que levar informação para as pessoas aprenderem um pouco. Não é só para não ser capacitista, é para poder mudar as coisas. Ela ainda ressalta que apesar de ter uma longa estrada pela frente, o importante é: “Nunca desistir dos seus sonhos”, recomenda para todos os autistas.
Interesse maior das empresas
O especialista em RH e gestão de carreira Cláudio Riccioppo, ressalta que a inclusão não deveria ser apenas uma obrigação legal, mas uma iniciativa promovida internamente pelas próprias empresas. Ele observa que raramente vê vagas destinadas a autistas, o que evidencia a necessidade de mais incentivos para a contratação dessa mão de obra.
Riccioppo critica a postura de muitas empresas, que se preocupam mais com sua imagem corporativa do que com a inclusão efetiva dos autistas no quadro de colaboradores. “Vejo diversas empresas preocupadas com a imagem corporativa, preocupadas em contar uma história ao público e ao consumidor dos seus produtos, mas não vejo uma preocupação em trazer o autista ao quadro de colaboradores”, comenta.
Os maiores desafios para a inclusão dos autistas no ambiente de trabalho incluem a dificuldade de comunicação e interação com colegas, além da inflexibilidade na alteração da rotina. “A empresa que contrata esse tipo de mão de obra precisa entender que haverá dificuldades, sim, e que terá que estar preparada para essa realidade”, afirma Riccioppo. Ele sugere que o ambiente de trabalho deva ser organizado e com pouca sobrecarga sensorial, como, por exemplo, não deve haver som alto ou figuras coloridas iluminadas, para ser adequado a pessoas neurodivergentes.
“O profissional autista possui uma enorme facilidade em se manter concentrado e com a atenção total em algo, empresas atentas a isso podem buscar por exemplo colaboradores da área de tecnologia como analistas de sistemas, cientista de dados, desenvolvedor de software entre outros”, observa ele, destacando que com a pessoa certa no lugar certo, a produtividade pode aumentar significativamente.
“Precisamos entender que o autismo é um fato da diversidade humana, a nossa sociedade é muito capacitista e acaba rotulando o autista sem ao menos conhecer quais as razões por trás dos seus comportamentos”, pontua.
Atitude firme da liderança
Para ele, as empresas devem realizar palestras sobre o autismo para promover a inclusão e capacitar os funcionários, ajudando a combater o preconceito. Além disso, ressalta a necessidade de uma atitude firme por parte dos líderes contra falas discriminatórias e a promoção de um ambiente inclusivo: “Os líderes precisam ter um comportamento de “tolerância zero” para falas discriminatórias, promovendo um recrutamento inclusivo e um ambiente que valorize a diversidade e as diferenças”, disse o especialista.
Ele encoraja os autistas a investirem em sua empregabilidade e a buscar suporte especializado para superar as barreiras impostas pelos preconceitos. “Vocês irão encarar um mercado que na prática ainda não está 100% pronto para recebê-los como precisam e merecem, então invistam em empregabilidade para que possam mesmo assim ultrapassar a barreira imposta pelos preconceitos existentes”, finaliza.
De acordo com o psiquiatra e diretor médico do Hospital Casa Menssana, Leonardo Lessa, a Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que “todos têm direito a um trabalho, a escolher sua profissão, a condições iguais e satisfatórias”, esta afirmação abrange todas as pessoas, sem distinção. Lessa enfatiza que, segundo as Diretrizes de Atenção à Reabilitação, o foco deve ser a integração e o acesso aos serviços, à comunidade, à inserção no mercado de trabalho e ao lazer.
Para ele, “a questão mais importante para o enfrentamento das dificuldades relacionadas ao autismo e a sua inclusão na dimensão do trabalho é a constituição de informação envolvendo os agentes empregadores e a construção ativa de políticas públicas que incentivem a contratação de pessoas com diagnósticos de TEA”. Para o médico, o preconceito e o desconhecimento são barreiras cruciais que precisam ser superadas para garantir uma inclusão efetiva dessas pessoas no mercado de trabalho.
FONTE: https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2024/06/6864655-autismo-no-mercado-de-trabalho-inclusao-ainda-e-desafio.html